Há
alguns anos atrás, provavelmente em 2010, Paloma me deu de presente uma caixa
de filmes de Sergio Bianchi, produzida pela Versátil Home Vídeo. Na época, assisti
alguns dos filmes, mas a dinâmica da vida impediu que visse todos. Assim como
ocorre com muitos livros que compro, os filmes de Bianchi ficaram aguardando o
momento de se exibirem para mim.
Agora,
estudioso do Cinema desde outubro de 2012, aproveitei alguns dias de solidão em
casa para mergulhar na obra de Bianchi inclusa nessa caixa de filmes. São cinco
longas, dois curtas e um média-metragem que foram realizados entre 1972, data
de seu curta Omnibus, realizado
quando estudante da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA/USP) e 2005, data de lançamento do Quanto
Vale ou é por Quilo?.
Bianchi
é natural de Ponta Grossa, no Paraná, e estudou cinema em Curitiba e em São
Paulo, onde se formou na ECA/USP. Depois de 2005, Bianchi realizou Os Inquilinos em 2009 e Jogo das Decapitações em 2013.
O
programa completo durou cinco dias, mas não seguiu a ordem cronológica de
realização dos filmes. No dia 12, comecei com Quanto vale ou é por quilo?, de 2005, em que Sergio Bianchi fez “uma
adaptação livre do conto Pai contra Mãe, de Machado de Assis, ..., um painel de
duas épocas aparentemente distintas, mas, no fundo, semelhantes na manutenção
da perversa dinâmica socioeconômica brasileira”[1].
No
dia seguinte, foi a vez de Romance, de
1988, que trata da “morte inesperada de Antônio César, um intelectual da
esquerda que escrevia um livro no qual denunciava um escândalo internacional
que envolvia autoridades políticas”. Essa trama acaba trazendo repercussões
para a vida de três personagens do filme: a companheira de Antônio César, uma
jornalista que buscava os originais do livro que haviam desaparecido e um amigo
homossexual do intelectual. Além do longa, no DVD estão disponíveis o
média-metragem Mato Eles?
(documentário sobre tribos indígenas do Paraná, feito em 1982, e o curta Divina Previdência, de 1983. Os dois
filmes fecharam minha programação do dia
13.
Dia
14 foi dia de folga!
Mas,
no dia 15, foram mais dois filmes: Cronicamente
Inviável de 2000 e A Causa Secreta
de 1994. O primeiro, “tendo como pano de fundo a vida de seis personagens
ligados a um restaurante num bairro rico de São Paulo, ..., mostra a árdua
tarefa de sobreviver física e mentalmente em meio ao caos da sociedade brasileira”.
Aliás, quanto a este filme, Bianchi, em depoimento presente como extra no DVD,
comenta que sua intenção não foi abordar a inviabilidade do Brasil, mas sim
tratar da inviabilidade de forma geral. Seu comentário se deve, segundo o
próprio Bianchi, ao grande número de comentários que surgiram à época do
lançamento do filme, associando-o a uma crítica ao Brasil. A Causa Secreta é mais uma adaptação livre do conto de Machado de
Assis e mostra a preparação de uma nova peça de teatro por um grupo de atores
que faz pesquisa sobre a dor na sociedade. “Nas filas dos hospitais e nas
próprias ruas, eles encontram um sentimento cada vez mais indiferente à dor e à
humilhação dos marginalizados”. Em depoimento Bianchi comenta sobre a questão
da falta de solidariedade como um tema presente nesse filme que, em minha
opinião, o aproxima muito de Cronicamente
Inviável.
Por
fim, hoje, dia 16, concluo a imersão na obra de Sergio Bianchi com mais um
longa e dois curtas, do começo da carreira do cineasta. Maldita Coincidência, de 1979, é um filme construído sem roteiro e de
forma artesanal. Foi o primeiro longa realizado por Sergio Bianchi. “Não há
aqui uma história, mas sim uma situação: um casarão abandonado no centro de São
Paulo, cercado de lixo e ocupado pelos tipos mais estranhos. A partir daí, em
esquetes, várias cenas da vida de cada um. Esses personagens representam
diferentes facetas da sociedade brasileira do final dos anos 70”. No mesmo DVD,
dois curtas do começo da carreira de Bianchi: Omnibus (1972) e A Segunda Besta
(1970). O primeiro curta, trabalho realizado para a Escola de Comunicação e
Artes da USP é um digno exemplar do cinema-poesia. O segundo é uma adaptação de
conto de Júlio Cortázar, visualmente muito bonito, todo em preto e branco.
Nesse curta, aparece, creio que pela primeira vez, algo que vai ser uma
presença constante nos filmes de Bianchi: o nú masculino.
Os
três filmes dos primeiros momentos da carreira de Bianchi são testemunho e, de
certa forma, prenunciavam a forma de fazer cinema que caracterizaria sua obra ao
longo dos anos. Uma estética cuidadosa, onde não há espaço para o cinema apenas
como entretenimento, mas sim, o cinema como uma forma de arte que sendo
poética, é, ao mesmo tempo, capaz de provocar nos espectadores muita reflexão.
Sem
compromisso com a apresentação de soluções, já que não é este o papel da arte, os
filmes de Bianchi que assisti nesses dias formam um conjunto coeso e altamente
orgânico onde o prazer visual se junta a um desconforto racional (ou ético?),
provocando o espectador sobre questões relevantes que não são apenas
brasileiras, mas da humanidade como um todo.
De
certa forma, os filmes de Bianchi são consistentes com o exposto em Dialética do Espectador,
de Tomás Gutiérrez Alea, para quem a relação espetáculo-espectador é de
natureza dialética, contrapondo razão e emoção, levando “a um enriquecimento
espiritual do espectador e um maior conhecimento da realidade, a partir de uma
experiência – uma vivência – estética” (p. 87), mas também estimulando uma
visão crítica e novo posicionamento deste em face da realidade que o envolve.
Fade out! Flashback para
meados de 2012:
Na Universidade
Federal do Paraná, entre junho e julho de 2012, participo de concurso para
Professor Titular do Departamento de Administração Geral e Aplicada do Centro
de Ciências Sociais Aplicadas. Sou bem sucedido no concurso e começo mais uma
etapa de minha carreira acadêmica, como Professor Titular de Inovação e
Sustentabilidade.
Na tese
que escrevi para o concurso, discorro sobre a centralidade da inovação e da
sustentabilidade para a administração das organizações contemporâneas. Apesar
de ao longo da carreira acadêmica ter abordado em leituras ou escritos próprios
a questão da sustentabilidade sob o ponto de vista da Administração enquanto
campo de conhecimento, essa tese foi meu primeiro esforço mais sistematizado
para tratar da questão.
Minha
abordagem da sustentabilidade na tese pode ser resumida como uma visão quase
que desconfiada, beirando a descrença, apesar de alguns discursos quase
messiânicos que se encontram na literatura sobre o tema. Meu principal
argumento para este olhar, que não é cínico, mas talvez incrédulo, baseia-se,
entre outras coisas, na seguinte ideia que reproduzo do texto original de minha
tese:
“Deve-se esclarecer que não se questiona a
validade normativa dos preceitos defendidos pelos estudiosos da
sustentabilidade. O ponto em questão é que os limites de sua aplicabilidade devem
ser reconhecidos em uma sociedade humanocêntrica, por um lado, e egocêntrica
por outro. Portanto, a defesa que se faz da necessidade de abordar a
sustentabilidade como aspecto integrante de teorias intermediárias de
explicação no âmbito da gestão das organizações está associada à compreensão de
que as organizações encontram-se inseridas em um sistema maior, de cunho
capitalista, que reproduz em seus subsistemas características que lhe são
determinantes, em especial, no caso das organizações de mercado, a busca pelo
lucro e a competição. Esse sistema permite, à sua margem, a existência de
organizações não predominantemente orientadas pelo lucro e competição, por
exemplo, cooperativas e organizações de economia solidária. Mas, essas serão
sempre marginais ao sistema, no sentido de representarem parcela ínfima dos
resultados sistêmicos.”
Fade out. Dias atuais:
Avançando
para a conclusão desse texto, devo confessar que fiquei em dúvida de onde o
publicaria. Há algum tempo mantenho dois blogs onde registro livremente meus
comentários sobre Administração, Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas
(www.3es2ps.blogspot.com) e sobre
Cinema (www.leiturasemcinema.blogspot.com).
Ao longo da reflexão que venho
fazendo sobre os filmes de Bianchi, vejo que assisti-los me fez constatar que
ainda tenho uma tarefa a realizar nesse estágio de minha carreira acadêmica. E
essa constatação trouxe, como consequência lógica, a decisão de publicar o post
no blog do grupo de pesquisa que foi criado no ano passado.
As
leituras iniciais que fiz sobre a discussão da sustentabilidade me demonstraram
a existência de dois campos opostos, que citei em minha tese de Professor
Titular, a partir de Veiga (2008) que comenta sobre a posição de Ignacy Sachs em
seu livro Caminhos para o Desenvolvimento
Sustentável, afirmando que Sachs é quem
melhor soube evitar simultaneamente o ambientalismo pueril, que pouco se
preocupa com pobreza e desigualdades, e o desenvolvimento anacrônico, que pouco
se preocupa com as gerações futuras (VEIGA, 2008, p. 171). Assim, a
sustentabilidade fundamenta-se na harmonização de objetivos sociais, ambientais
e econômicos, sendo que do ponto de vista ecológico e ambiental, é a busca pela
preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis, o
estabelecimento de limites ao uso de recursos não renováveis, e respeito e
consideração para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais,
baseando-se no duplo imperativo ético de
solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com
as gerações futuras (VEIGA, 2008, p. 171).
É nesse
contexto, que visualizo uma tarefa por realizar, em um período que se estenderá
por oito anos e meio. Nesse tempo, além de continuar o desenvolvimento da abordagem
das configurações no estudo do empreendedorismo e da estratégia em pequenas
empresas, deverei fazer esforço semelhante sobre a sustentabilidade.
Os filmes
de Bianchi não me apontaram soluções, mas reforçaram meu sentimento de que a
compreensão dos limites da sustentabilidade como prática de gestão das
organizações é condição necessária para uma efetiva transformação da sociedade
em que vivemos.
Espero
conseguir atrair alguns jovens que estejam com vontade de se debruçar sobre o
assunto. Vai ser uma aventura onde se misturarão leituras, filmes e vida nas
organizações!
Alguém
pode se perguntar: E depois de oito anos e meio?
Aí meu
caro, será o começo de uma nova carreira para mim: o Cinema. Aos poucos,
vai ganhando prioridade no meu coração!
Mais uma pergunta?
É. Por que o importante é manter o sorriso?
Estava esquecendo! Esta é uma frase dita por um dos personagens de Maldita Coincidência. Pode significar que face ao impossível, deve-se manter o sorriso. Acho que tem alguma coisa a ver com sustentabilidade, não acha?
Referências
Alea,
Tomás Gutiérrez Dialética do
espectador: seis ensaios do mais luareado cineasta cubano. São Paulo:
Summus, 1984. 114p.
VEIGA,
J. E. da Desenvolvimento sustentável:
o desafio do século XXI. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
[1] A
descrições dos filmes foram extraídas da caixa de filmes organizada pela
Versátil Home Vídeo.